14/01/2005

Posso ainda ver seus passos longe, eu seguia dali, pra ver qual era o lugar para onde ele ia, mesmo tendo já a certeza. Só podia ser, e foi, a praça da Santa Casa. Ele sentou e ficou. Queria eu o autocontrole pra simplesmente ficar. Ainda vejo o boné antigo de veludo no braço do banco, alisava o bigode com uma mão, parava, com o braço no encosto fazia rolinhos no cabelo cor de cinza.

As minhas pernas de detetive jamais me levariam aos seus pensamentos. Até hoje, tenho apenas mera sombra deles. Dessas de nuvens rápidas, mesmo no alto da montanha, perde-as no vale logo ali, adiante.

Há vários meios de se contar a sua história. Todos grandiosos e tristes. Por isso, o silêncio. Porque essa saudade já arde mais que o sol daquela tarde.

Há ainda a solene contagem das gotas, o remédio noturno ia turvando o copo grosso de vidro. ...nove, dez! Barulho da colherinha. Sorria para mim e tomava. Estalava a língua no céu da boca, para se certificar que todo o conteúdo faria efeito. Boa noite a cada um e dormia.

Eu lembro de tudo, menos da mera sombra que se desfaz rápida no vale. E então vem o riso alto, pelo I love Lucy. Vem o inconformismo por mais um passe errado de Bernardo, nº 5 do São Paulo. Vêm as aulas de desenho, o jornal transformado em um tabuleiro de carrapeta, que se fazia de barro e fósforos, no forno. No chuveiro, gritava Vesti uma camisa listrada e saí por aí. Deitado na cama, o velho rádio na barriga, com as etiquetas todas dos consertos. Ele deitava e novamente fazia cachinhos nos cabelos. Minhas mãos são quase idênticas às dele, um pouco mais magras, apenas. Suas mãos não chegaram a pousar num teclado de computador.

Domo a tentação de contar a sua história, que terminou no tempo da minha saudade. Philo.

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