25/02/2005

A quantidade negativa

Na época que editou “Urupês”, em 1918, Monteiro Lobato detestava o caipira. Para ele, seu nomadismo era puro descaso territorial, botar fogo na mata, um crime, a “margem de ócio”, apontada por Antonio Cândido em “Parceiros do Rio Bonito”, não passava de preguiça.
O curioso é que quando o antropólogo Hermano Vianna desenvolveu o tema do pós-caipira ele sugeriu que nós do interior tomássemos como mote a “quantidade negativa”, cunhada por Monteiro Lobato neste mesmo “Urupês”, em um artigo sobre o caboclo chamado “Velha Praga”. Sugeriu também que invertêssemos o velho Lobato e tudo que fosse defeito passasse a ser visto como vantagem.
Lobato era pré-moderno, nacionalista, conservador, se horrorizava com o expressionismo de Anita Malfati, do “Homem Amarelo”. E talvez o bigodudo escritor estivesse até certo, em alguns pontos nosso modernismo era puro pastiche, como disse Glauber: “eu quero comer o que é meu, não o que é dos outros”. Tirando este aspecto, toda a sua crítica faz do Jeca um herói da contracultura. Escreveu Lobato: “Este funesto parasita da terra é o CABOCLO, espécie de homem baldio, seminômade, inadaptável à civilização, mas que vive à beira dela na penumbra das zonas fronteiriças”. Visto sob o nomadismo deleuziano e as TAZ (Zonas Autônomas Temporárias), de Hakim Bey, temos aqui um herói da geração de coletivos de arte urbana e mídias táticas da vida.
Modernismo, concretismo, cinema novo, tropicalismo, neoconcretismo. Depois de todos estes movimentos, o legal na arte passou a ser barbarizar, um retorno ao primitivo porque tudo já havia sido feito. Entramos na ditadura do vazio, mal-estar como arte conceitual, cinema digital contra película, fim da canção com o rap.
Alguns anos depois, a pintura volta a triunfar nas galerias e bienais, o cinema, de novo, é épico. Parece que o 11 de setembro nos fez voltar no tempo: bem contra o mal, romantismo, escapismo. Talvez estivéssemos indo depressa demais em direção ao apocalipse, como disse uma vez um amigo ligado em mitologia indiana, o tambor de kali, uma divindade representada com cabeças cortadas nos braços e ligada ao tempo, estava batendo cada vez mais rápido.
Um passinho para trás e uma certa dose de espírito hippie podem fazer bem a todos nós, mas não sei se devemos propor o dia do orgulho caipira na Paulista, sob o risco de criarmos um monstro, como na história de pós-caipira. Ninguém nunca disse que para ser pós-caipira era preciso adotar visual ridículo – chapéu de palha e camiseta quadriculada - e fazer releituras de “Menino da Porteira” em versão metal. Qualquer banda de rock cru formada por moleques de 14 anos é naturalmente mais rebelde que isso. Qualquer DJ de última hora carregado de MP3s traficados do Soulseek é MUITO mais rebelde que isso. Fazer rock cru ou ser DJ não faz de alguém menos caipira que um violeiro, se fôssemos seguir a proposta do Hermano, bastaria estar à margem. Se você for “caipira geográfico”, tiver nascido ou morar no interior, melhor ainda.
O que difere o interior das capitais? As capitais têm as massas humanas, fora isso a informação e o dinheiro circulam sem tomar conhecimento do território. Os metropolitanos podem até achar que eles são o supra-sumo da globalização, mas o pior é ver que muita gente no interior concorda com essa bobagem. Pensando assim, ser uma quantidade negativa é até uma obrigação.

NOMADOLOGIA

Os bauruenses da Stooge e os Cachorros tocam neste sábado (26), às 23h, no Subjazz, rua Frei Caneca, Centro-SP. A noite vai ser boa, tem ainda Rock Rockets e Pullovers. Formada no ano passado, o trio de Fernando “Stooge” Papassoni (baixo/voz), Thiago Rodrigues (batera/voz) e Dimas (guitarra/voz) faz um rock sem pretensão pero com muita pegada. Pé na jaca total. Com agenda cheia e o primeiro CD no forno, a sair pela Sub Solo Records, mês que vem os caras estarão em Curitiba.

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