01/11/2005

QUANDO?

Eu invejo o jornalista porque ele não precisa de um jornalista. Eu não gosto do mundo atual porque nele a gente recebe uma imensidade de detritos chamados todos juntos de informação. E eu, pelo menos, não sou bom em escolher feijão, separar joio do trigo, essas coisas.
Daí chegam umas vezes como hoje à noite, em que vc tem o contato direto com a realidade, porque são as próprias pessoas reais, apelidadas fontes, que contam as coisas pra vc e vc se embasbaqueia, se boquiabre, voa longe e queda esperançoso.
O terceiro Brasil mais uma vez me deu um cutucão no braço agorinha há pouco, meio que dizendo: avisa os caras que eu tô chegando. O Estado é decadente, a Política é decadente, o Poder, assim como vcs o vêem, é decadente. E no que decaem, subo eu, o terceiro Brasil.
Que a força sepulta viva tá ressurgindo espontânea, depois de tanto ter arranhado o caixão pregado pelos militares, todo mundo já deve ao menos ter ouvido falar. Renasce que nem uma lenda indígena, como daqueles heróis que morrem e voltam na forma de um pé de feijão, ou de milho.
Mesmo verde e balangante, o caule da consciência brasileira já toma seu sol e sua chuva.
Hoje nove meninos e meninas, vinte, vinte e um, vinte e dois anos, contaram o que eles fazem aos sábados e domingos, das nove da manhã às cinco da tarde. Eles pagam a faculdade, bolsistas que são de um programa da Unesco, o qual aliás tem data pra terminar, em 2007, mas não acredito em fim agora. Eles ensinam as pessoas de verdade. Eles e a senhorinha analfabeta que ensina crochê. O senhorzinho artesão que faz sapatos a mão. Eles ensinam karatê, violão, capoeira, panificação, inglês, espanhol, artesanato, pintura, desenho, percussão, dança de salão e amor. Foram duas horas de narrações de realidade bruta, vc podia sentir as pedras rolando no chão, parecia música. Não dá pra contar tudo num post. Dá pra representar naquela menina, 21 anos, tímida, de gorrinho, que parecia não querer falar e disse tudo, ou tentou dizer, pois começou a chorar ao lembrar que arrombaram a escola e furtaram os computadores do curso de informática que havia começado naquele dia. E todos choramos juntos e pensamos que ela não ia voltar a falar, mas ela voltou e contou que foi sozinha pedir pros patrões do campanário, uma expressão tão terrível e natural, quase banal que me gelou, e os patrões do campanário no dia seguinte devolveram os computadores, sem as placas. Ela disse muitas outras coisas, e disse com as mãos, com o olhar, com o sorriso, que me deu vergonha dos meus planozinhos egoístas. Ela ali estava sendo e a pergunta natural brotou das paredes, das carteiras, do ventilador: e nós todos, quando vamos começar a ser?

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