15/12/2005

Rural affairs

1

Assim que subimos no carro, Cris acendeu o baseado. Sopramos a fumaça azulada pra fora. Pra variar, eu estava espremido entre os instrumentos, no banco de trás, e fumava mecanicamente. Logo fui tomado por uma paz, que só podia ser artificial, vindo de um cara perturbado e ansioso como eu. Não tenho câncer, nem roubei um banco, mas parece que estou sempre por um triz.
Bauru estava como sempre. Uma brisa quente denunciava logo na entrada a familiaridade com aquela pasmaceira modorrenta. Decerto existiam desenhos nas nuvens muito brancas contra o céu transparente. Mas não estava com paciência para decifrá-los porque minha cabeça estava em Alice.
Baixa, loira, peituda, metida a filósofa e irremediavelmente gostosa, Alice se mandou no dia 6 de setembro. Disse que não seria a última vez, mas eu percebi enquanto a gente transava que sim. Tinha lá seus defeitos, mas eu gostava dela. Quando uma mulher se vai a vida vai junto.

2

Karol, meu nome é Karol, nem Carolina, nem Caroline, dizia a moça com ar de irritação gratuita, meu nome é Luísa Karol. Então vou te chamar de Luísa, provoquei. Ela deu de ombros, me chame como quiser, mas todo mundo me chama de Karol.
Morro de tesão por garotas caipiras e ela era uma das boas, além de ser uma espécie de Alice piorada, loira e peituda ela era, podia ser a minha redenção, quem sabe. Minha Kim Novak transformada na mulher ideal, que bela paranóia.
Todo mundo na mesa engoliu as anfetaminas. Em meia hora, a parada bateu e o silêncio ficou pesado. Puxei conversa com K. e observei duas coisas. Suas mãos eram fofas e as unhas estavam pintadas de vermelho. Quis cheirar suas mãos, mas me contive, meu cérebro estava acelerado. Enquanto ela perdia o olhar na rua, fitando os carros e os caipiras dentro deles, vi que seus olhos era verdes como de uma cobra.
Uma hora mexeu na bolsa e pegou uma cartela, eu olhei discretamente e o remédio tinha dias da semana, anticoncepcional na certa, ela devia ter namorado. Hoje tive um almoço para discutir relacionamento, gosto de deixar tudo às claras, ela me disse. Posso ser sua Alice?
Meu xaveco é péssimo porque às vezes eu fico mudo. Fala alguma coisa... Ah, e ela não tinha e-mail, achei isso o máximo.

3

As imagens no slide grudavam na parede e nas pessoas. Eu estava pouco me importando com aquilo porque eu só queria estar do lado de Sarah. Tentava buscar seu cheiro fungando como um bicho, mas a festa lotada misturava os cheiros e eu não sentia nada.
Ela estava insuportavelmente linda, em um vestido preto e branco que deixava os ombros à mostra. Do mais eu não lembro, testava com ela a cumplicidade do silêncio, como uma criança apaixonada pela mãe. Ela estava ocupada e eu estava me ocupando dela, dos seus movimentos, dos seus cheiros, da sua energia.
Eu vou embora, disse. Tá bom, te vejo na sexta, respondeu fria. Enquanto esperava Cris para cair fora, ele embaçou um pouco e eu voltei a andar pela festa, que a esta hora já estava miada. Cinco, seis da manhã, nem sei, já estava para amanhecer e isso era uma quarta-feira, típico daquela vidinha de Bauru. Vamos ali fora comigo, só um pouco, chamei. Sarah abaixou para amarrar o cadarço e eu a beijei.

4

O amor é um fogo que não pára de queimar.

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