19/03/2006

1.

Obrigado, velha guarda. Essa é para as Nat(h)álias. Agora há pouco eu estava na janela do décimo andar. Bela vista, uma avenida de mão dupla, com um bloco de concreto no meio, avenida Cazuza. É isso que eu vejo quando olho lá em baixo, a bela avenida Cazuza, carros novos, carros velhos, a maioria carros nacionais horrorosos, verdadeiras carroças. O bloco do prédio e as janelas de pastilha, a janela de alumínio, como essa em que me debruço.

Fumo. Solto fumaça e penso. Lembro uma vez quando eu era criança, que uma mulher me queimou na rua com cigarro. Filha da puta, minha mãe falou. Dá um beijinho que passa. Mas se acha que passou? Continuou ardendo um tempão. Filha da puta, aquela mulher vaca pode ter sido minha primeira amante. E, ainda em 1978, um dia, minha mãe foi cortar o cabelo, fazer a unha, sei lá que porra, e a mãe da manicure era uma mulher muito feia. Ela fumava também, soltava fumaça pelo nariz, sentada numa cadeira. Eu pensei: dragão.

2.

Quando você estiver fumando cigarro ou maconha vai se lembrar de mim. Ou quando você olhar na televisão e ver que o Botafogo ganhou, empatou no último minuto, foi campeão ou rebaixado. Para mim isso pode não adiantar muita coisa porque eu nunca vou sentir o que você está sentindo naquela hora. Pensei em voltar para a janela do décimo andar e olhar lá embaixo até enxergar as ranhuras da calçada, entrar no líquen de plano elevado, de cor violácea, como o céu mais bonito, azul metálico e nuvens rosas.

3.

Esta luz está diferente. Muda sempre. Sarah conhece tudo do céu à noite. Eu conheço um pouco do dia. Antes a luz estava muito reta, agora está branca.

4.

Tudo que me vive eternece.

Nenhum comentário: