25/07/2007

acho que essa merece ser a exceção. e tchau procês. em definitivo, agora.

Chegou a hora do parto, agora acho que consigo.

Desde o dia 23 de abril eu não te dou o beijo no rosto. Quando eu era pequeno, vc falou que eu teria um dia vergonha de te beijar o rosto. E eu te provei o contrário, te beijei sempre e um dia até te deixei um tantinho constrangido na frente do presidente do tribunal.

É praticamente impossível escrever sobre vc, eu teria que escrever a minha vida.

Três meses e mais o resto da minha vida pra eu te ver novamente. vou escrever essa palavra linda e salgada apenas uma vez:

saudade.

eu tinha tentado escrever algo, mas não conseguia. e, droga, sabia que eu ia chorar.

os especialistas falaram que eu não consigo digerir, que é só aparência. dói, pai. dói. e se a mãe chega agora, já era, vai ficar preocupada.

eu to usando aquela camisa tua que sempre gostei.

tava rearranjando agora as coisas, tive que desativar o escritório, vou enfiar tudo aqui mesmo, dá-se um jeito.

li aquele processo, li várias sentenças, li o artigo da copa, li tua poesia, eu não consigo parar de chorar, os especialistas disseram que isso é bom. disseram que escrever também seria.

escrever, pai. aquele conto com final diferente que vc mostrou pros amigos, eu lembro de vc falando, dizendo que vc tinha gostado muito, eu tinha oito anos, desde aquele dia eu não paro de escrever. acho que é pra vc, acho que no fundo é sempre pra nós dois.

na primeira gaveta do arquivo tirei aqueles dois pacotes de galaxy fechados, fui mostrar pra mãe, que vc conseguiu: que falou que nunca mais fumaria e nunca mais fumou, mesmo sempre reclamando da vontade. mas vc controlou a vontade, pai, até o final.

vi também as fotos da enchente, acho que já contei pra todo mundo que vc passou dez anos gastando todo o teu dinheiro nas melhores obras jurídicas e veio a enchente e levou. eu vi as fotos, pai, vc tinha a minha idade atual. e vc tava de shorts, sem camisa, ainda de cigarro na mão e com a cara serena. vc não praguejou e nem buscou muitas explicações.

vc sempre encarou a vida de frente, nunca fugiu nem deixou de falar o que precisava, pra quem fosse, em que situação tivesse que ser.

vc dominou a vida, pai, eu acho isso tão legal. naquele mesmo dia vc pediu a mão da mãe em casamento.

todas as câmaras do tribunal mandaram ofícios, estão todos no móvel da sala, mas acho que vc ia gostar mais é de saber que a Fátima pagou um motoboy pra levá-la até o enterro, em cima da hora.

ela falou pra mim que não deixaria nunca de ir, porque vc sempre dava um dedinho de prosa com ela, de igual pra igual, enquanto os outros eram importantes demais pra isso.

vc sempre tratou todo mundo igual, pai, vc sempre falou pra todas as ditas do mundo.

escreveram bastante pra vc nos jornais daqui, te chamaram de poeta, o marquinhos disse que vc é o “amável dizedor de palavras ásperas”, lembraram fatos jurídicos, as pessoas vieram falar que vc sempre as incluiu, as integrou, estivesse onde estivesse.

eu nunca falei que te amo, pai, falo agora, fazer o que. eu te amo.

a adriana me elogiou a petição, falei pra ela que devo a vc, vc sabe disso, não me deixava em paz com os gibis, me presenteava com a coleção vaga-lume. não me deixava em paz com os vaga-lumes, me apresentou machado de Assis. não me deixava em paz com as minhas batatas, me apresentou saint exupéry. Agora eu passo na sala de lareira, pai, na sala que vc fez do teu jeito, eu fico olhando os livros todos, quero ler um por um, pensando que to com a cabeça no teu colo e, quando ela doer, que vc vai por a mão santa na minha testa, e todas as minhas dores irão passar.

eu fiquei mal esses dias, pai, mas passou.

eu quis te telefonar, ia ser a típica situação em que vc me daria a resposta certa, tive que achar por mim mesmo, vamos ver.

eu e o bronza estamos levando adiante a arte de burrear, fazemos isso quase todo dia. ele ta me ajudando muito com tudo e gostou demais daquela tua contestação.

tudo vai se ajeitando, mas o tempo passa e parece que o sentimento vai ficando mais forte, mais difícil de segurar.

mas fica tranqüilo aí, a gente tá unido.

vc quis inaugurar a piscina com os cinco pulando juntos de mãos dadas, eu quero segurar a tua mão agora.

eu to tomando muitas decisões aqui pra casa, espero que sejam as que vc tomaria. os especialistas disseram pra não pensar assim, mas fodam-se todos os especialistas agora, por mais que eu goste deles.

sabe os papéis que a gente tava jogando, não dá mais, não consigo jogar uma folha só. vai ficar tudo amontoado, dane-se.

pode ser que eu escreva mais qualquer hora, fiquei calmo.

nos primeiros dias sonhei que eu telefonava pra vc.

o tio ari acho que ficou louco, pediu pra mãe que quando a gente tivesse notícia de vc, que ele queria conversar por psicografia. só faltou mandar um abraço.

o tio bertinho foi mais comedido, falou só que quando soubéssemos de vc, pra avisá-lo.

andei pensando que vc não gostaria do maicon na lateral, que o toleraria. acharia o alex lento demais e berraria com o galvão pela perseguição ao vagner love.

hoje foi o último jogo da janeth, vc ia lembrar mais uma vez, como todas as outras vezes, quando a seleção veio treinar aqui em atibaia, com paula, hortência, marta etc, e vc viu aquela menina, num de seus primeiros treinos e falou pro técnico que ela seria um dia a melhor da equipe em que jogasse.

que vontade de polemizar com vc sobre o hugo chávez, sobre a disposição das estantes, sobre a tampa da margarina, uma vezinha só.

pronto, agora só falta eu pedir pra vc aparecer aí.

mas nem precisa, agora eu entendo aquilo que todos falam e que eu desprezava, por considerar clichê:

vc vai sempre estar comigo.