15/09/2007

Espelho virgem

Jongueira

Me ensinaste às seis e quinze de um sábado

O amor do abraço que vi

Do riso puro

Da saia comprida que mostra

rodando

Não mais que tuas coxas

Pés no chão

Livre

Cabelos paulistas

Deliberadamente ondulados, salve!

Conheces as pessoas

Todos te abraçaram

Eu te segui com os olhos

E ri

Pelo teu riso

Dancei

Pela tua ginga

Jonguei e jongo e jongo e jongo

Foi difícil jongueira

Certificar teu estado de adulta

(Ela tem altura, mas e daí

Tem seios, mas e daí?

Tem bunda, mas e daí?

Tem tatoo em cima da bunda

Mas e-da-í??

Ela fuma, caipora

É ela fuma e tem umas imperceptíveis rugas

OK, ela é adulta).

E daí?

Que diferença isso faz pra ti jongueira

Se por mais que mudes, jamais perderás essa inerente liberdade?

Nunca mais te verei

Sei nem de que universo paralelo e mágico ou município vieste

Sei nem em qual neurônio meu responsável por lembrar de ti

Passarás, jongueira de hoje às seis e quinze,

- Não a de a partir de amanhã -

A residir

Que diferença isso faz pra ti jongueira,

Que dançarás o jongo pela eternidade

Distribuindo perfume e alegria a nós pobres,

Amém?

***

Seo ditiiinho O senhor não vai se lembrar de mim0 seo ditinho faz três anos

Como vai

Bem e o senhor

Falei com o Saulo semana passada estive lá

Ah ele comentou comigo

Olha o senhor tá ocupado vim só trazer essas duas fotos aqui não é pra copiar

Sei é pra me inspirar

Isso só pra ter uma idéia de como vai ficar

Trouxe também isso que escrevi estava pensando ontem (1)

Ah mas que danado

E essa aqui foi quando fui lá pela primeira vez faz três anos é sua

Obrigado vou até por uma frase embaixo como se ele estivesse pensando

Do jeito que o senhor fizer está bom Vou deixar o senhor conversar com as pessoas tem muita gente chamando Quando voltar lá a gente conversa com calma

Faz isso mesmo lá a gente conversa até mais inspirado

Isso vou tomar café com o senhor

Essa aqui é minha segunda esposa mãe do Saulo e do Samuel

Tudo bom com a senhora

Tudo de bom pra vcs, sucesso e parabéns

***

(1) Ao Grande Ditinho.

Licença meu bom senhor,

Fineza deixe-me achegar

Pois um pedido importante

Fez-me vir dum lugar distante

Enfrentando chuva e calor

A suas valiosas mãos confiar.

A muitos um simples papel

Com algumas figuras em cores

Que trouxe guardado no couro

Mal sabem os ilustres senhores

Retratam meu grande tesouro

Que Deus quis levar ao céu.

Com satisfação e esperança

Cruzei a paisagem paulista

Com sorriso de criança

Em busca desse grande artista

Quem sabe ver não se engana

A alegria que de minh’alma sai:

Homenageio meu saudoso pai

Pelas mãos de Ditinho Joana

***

Aí foi isso. A idéia era levar ao Ditinho Joana umas fotos uma poesia e outra foto, numa pastinha de couro debaixo do braço e passear um pouco. Mas aconteceu uma explosão. 180 municípios representados e representantes da cultura popular paulista. Não vou descrever o que vi. Por duas horas e meia meus sentidos foram excitados pelas minhas raízes. Profusão de pessoas felizes por estarem ali. Entardecer puramente dionisíaco, não fosse o aspecto religioso sempre presente na cultura paulista. Orgulho. Alegria. Nostalgia. Esperança. Paz. Eu me envolvi numa placenta ancestral e, de repente, nas pessoas, nas cores, nas comidas, nos aromas, na dança, nas obras, na história, no olhar castanho escuro e risonho da jongueira, nos tambores, na viola e na vibração, eu reconheci o espelho virgem em epígrafe.