02/10/2007

BRIGADAS DA MÚSICA

VERSÃO BRASILEIRA: TABAJARA E CIA

ORQUESTRAS BRASILEIRAS SOBREVIVEM AO TEMPO E MODISMOS PARA ARMAR UMA INSURGÊNCIA NADA SILENCIOSA

Na música brasileira, algumas coisas nunca mudam. "Essa parada não dá dinheiro", abre o jogo Berna Ceppas, produtor e tecladista, sobre a Orquestra Imperial, que lançou este ano, com considerável estardalhaço na mídia o álbum "Carnaval Só no Ano que Vem" (Ping Pong Discos/ Som Livre). Enquanto isso, o clarinetista e saxofonista Paulo Moura - quase 60 anos de carreira - lembra que na época de sua juventude, os músicos moravam em pensões. "Ser operário ou músico não fazia muita diferença."
Berna sustenta que "amizade, música e diversão" sintetizam tanto a motivação da Orquestra Imperial em existir, quanto o interesse do público em dançar ao som de uma orquestra nos dias de hoje. Moura assiste o despertar de jovens interessados em manter o legado iniciado na época dos cassinos e rádios, como a Nacional e a Tupi.
Segundo o clarinetista, a vantagem para um músico estar em uma orquestra - ele próprio tocou com Ary Barroso, Radamés Gnatalli e Moacir Santos, entre outros - era ficar em evidência. "O dinheiro era pouco, mas a música tinha mais paixão", compara.
Para Moura, as melhores orquestras que já ouviu foram a do maestro Zaccharias, de Rio Preto, interior de São Paulo, e a Tabajara, que começou na Paraíba e se radicou no Rio de Janeiro. Moura argumenta que a Tabajara trouxe uma agressividade para a música brasileira do final dos anos 40. Até então, mais suave e "redonda".
Severino Araújo, até os 18 anos, era o Severino do Mestre, um rapaz capaz de tocar todos os instrumentos de sopro e fazer arranjos engenhosos de frevo, xotes, valsas e dobrados. Ainda garoto, aos seis anos, ele tomou as primeiras lições de música com o pai, o mestre de banda Cazuzinha, e despertou para a música.
Em 1936, ano em que entrou para a banda da Polícia Militar e foi para João Pessoa, Severino conheceu o som de Tommy Dorsey, Benny Goodman, Count Basie e Duke Ellington. "Eu não sabia o que era jazz. Quando ouvi fiquei maluco", recorda.
No ano seguinte, foi para a Rádio Tabajara, de onde vem o nome do grupo que dirige até hoje, uma orquestra clássica de hot jazz em que os músicos se vestem com a mesma roupa, tocam atrás de uma bancada com as iniciais da banda e se levantam na hora dos ataques de metais.
"Meu professor foi Benny Goodman. As rádios compravam os discos e os arranjos vinham junto, estudei assim", lembra Araújo.
No Rio, a Tabajara acompanhou cantores como Francisco Alves, Carlos Galhardo, Nelson Gonçalves, Orlando Silva, Sílvio Caldas e Aracy de Almeida.
Pelo rádio, as orquestras viraram febre em todo Brasil. Era o som oficial dos bailes da primavera, formaturas, festas de 15 anos. No interior de São Paulo, destacavam-se orquestras como Nelson (Tupã), Continental (Jaú), Pedrinho (Guararapes) e Marajoara (Bauru).
Nos anos 70, influenciados por Stan Kenton e Henry Mancini, João Donato e Deodato levaram as orquestras para o funk. Para completar, a Black Rio injetou o suingue da gafieira na discoteca no final da década.
Com a música para dançar sendo tocada por máquinas, as orquestras passaram a lutar contra a "reengenharia", interesse no lucro máximo oferecendo o mínimo, burocratização das políticas culturais e a suposta falta de interesse do público, supostamente satisfeito em ficar em casa assistindo televisão. Elas tinham tudo para não existir, mas existem.
Orquestras como Mantiqueira, SoundScape, Heartbreakers, Spok Frevo, Banda Pequi, De Puro Guapos, Frevo Diabo, UFRJazz, Funk Como Le Gusta, Tradicional Jazz Band, Caixa Preta, Itiberê Orquestra Família, 11 Cabeças, Sembatuta, Imperial, Tabajara e muitas outras. Centenas de músicos, talvez milhares, nas fileiras de uma resistência dura. Mas, para a nossa sorte, nada silenciosa.