12/09/2005

neurodança ou naufrágio rosa

A CASA COM TERRAÇO aqui a gente se separa. segui andando, desci as escadas e comecei a entrar em outras salas até um quarto, onde resolvi trocar de roupa. Do lado de fora da porta de vidro, Clarice olhou pra mim e disse, com sua voz de puta, fina e triste, "tira, tira logo", ela entrou, tirei a roupa e disse "tira a sua também". Ela tirou, os peitos pularam, a calcinha virou um rolinho no chão. CAMA Ficar maquinando até cair e dormir sem nem arrumar a cama, sem os dentes, simulando a peles nos cobertores.

A SANTA FF>> arrancou um escalpo da pele, depois foi plantando no corpo, depois foi arrancando, depois foi queimando. O telefone tocou. Para o chuveiro, ele pensou, preciso ficar limpo.A voz ia se transformando no satélite codificava e entrava onde não podia, ressoava, ressoava, simulava, eu nem vociferava mais palavra só grunhidos "auhruhrhrr"- Viver cansa.Lá no alto a santa branca que o menino via do carro santa branca suburbana, passando anjo do terror, andando pra trás e pra trás, FF>> escondia a cabeça ali atrás no carro e imaginava qualquer cidade, qualquer país, enquanto o rádio simulava línguas

NANO Seis horas da tarde "aqui acaba o desespero e começa a tática", FF>> maquinou, seis horas da tarde começa a esquizofrenia.Tttttt fremindo, vociferando, seishorasdatarde. Primeiro vou lamber e depois comer um pedaço de vidro, depois a sua boca, passando a língua no copo que você deixou ali na cozinha. Eles vão querer acabar comigo quessa subliteratura, cai fora, espertona.O anjo, na sua hora não sente nada nem vê porra nenhuma, animal chato de capa dupla, a memória casca, memória plástica da matéria.Subi pra montanha uns dias totalmente isolado, na caverna do meu quarto, com um cajado e a capa dupla e enfiei a porrada na comida, no fumo, enfiei a porrada com o desejo e o cajado, seis horas da tarde, a hora que começou e agora faz só seis minutos que eu começou, nem faz tanto tempo assim que essa porra começou, seis horas da tarde. Ah, "isso é muito melhor", "ela até serve pra você", "parou cai fora", "parou sai e vem outro", "parou não pára que já não é pura esquizofrenia". Ei, antes que eu me esqueça, vai se foder, amigo, não quero saber o que você acha de nada.Antes, eu estava todo encouraçado, encouraçado rangendo, rangendo as máquinas do meu corpo nessa tela de vidro, este organismo falando e se movendo em luz.

NA CAMA Olhando pela janela, vou esperar ela sair. Come a carne dela mesmo, na cama, putona.

VIDA lá no fundo quando ela era ela mesma eu estava fora sinto eu querer ser livre é fácil saber o que você está sentindo muito fácil o que você está sentindo de verdade me diga essa escada rosa de carne vai até onde dobra dobra dobra dobado sentir uma mão quente no meu estômago todo suado línguas flamejando libertando som visceralmente bicudas fúrias animalescas esferas mínimas comprimindo as flores pra alimentar os gatos e acariciar a terra alisar pedras nas cavernas mijando na terra ritmo míope atracado bem cravas nas carnes dos dedos na boca e no liso da pele a vida treme arqueja cavocando as cascas espama carcaças com a lima do turbilhão a vida treme QUE SE FODAM! Hoje decidi mudar, nos subterrâneos dos elevadores escrevo a lápis. Uma idéia só vale se eu estiver andando. A unha na parede. Prometo não ser bobo, vou ser mais crápula, vou me satisfazer.

A PONTE

Você sabe o que o vento faz com as pontes? O casal na cama, ela, nervosa, ele, fracassado, eu, fiquei assim partido, ah grita histérico de um lado, calma do outro, até que se mistura a merda toda e nada, não chega a lugar nenhum.Nessa doidera muita coisa está vindo, você nem sabe, agora sim está vindo, muita coisa mesmo, muita coisa está vindo. Ligo a televisão e vejo as pontes, PJ na TV. Assim que eu chego no posto, vou andando, andando, passo em frente da casa da Clarice, ela está com os pés pra fora, o mensageiro do vento está do lado de fora, o carro dela está na garagem, mas eu não vou fazer nada, vou embora. Mais pra frente, quem sabe.Passo em outra casa também, bate bate palma, bate bate palma O sol está me arrancando, deito no Vitória Régia, subo toco o interfone, subo mais umas ruas, vou comer.

O AZULEJO DA COZINHA Clarice e Maria Leonza, as duas sereias de cabelos azuis e prata estavam na praia, as duas sereias quietinhas bebendo.- Posso tomar um gole da sua vodka?- Não, eu pensei em beber mais tarde.Leonza cai em câmera lenta até o chão e tem uma convulsão. Fica batendo a cabeça no chão, a língua estrilando, nove, dez, onze segundos e passa. Está vomitada e não lembra de nada, Clarice alisa o cabelo dela. PACÍFICO Estou preocupado com os fiapos do seu casaco, os cadarços desamarrados como no dia que te liguei do pacífico e você ouviu o mar e eu ouvi o seu sorriso.

AS HAVAIANAS DE EMPÉDOCLES

Rodoviárias são minha segunda casa. Vou até o guichê, compro com dinheiro de plástico, vou até a banca, vou até a tabacaria, esbarro nas pessoas pelos corredores, ando no mármore, ando pelas suas costas e depois descanso no banheiro, pago R$ 1,00. Encosto na cadeira de plástico, abro o jornal, entro no ônibus, flashs, o mato lambendo a minha cabeça, as memórias, dias.Então resolvi ficar, sem mistério, estou sozinho aqui na casa, se chega alguém finjo que não estou, estou sozinho e não vou inventar nada.O animal triste vai desaparecer sem deixar vestígio, vai se atirar no fogo e quero ver se vão cuspir o chinelo de volta, quero ver.

CUSCO

A cidade agora está à deriva, você nem percebeu como a terra estava se mexendo, a terra estava cedendo, aos pouquinhos, aos pouquinhos, entrei ali o bar inteiro estava sendo seguro por uma viga, toda verdade é que o terremoto não tarda, a fiação velha está ligada que nem o cu e eles ganham grana fazendo uma granola podre e um pão integral pra turista, um pão velho com presunto e queijo pra dar caganeira em turista, cai fora e sai pra andar e ficar fumando bagana e tomando chicha com os hippies meus amigos na praça e ali mesmo montamos uma banda de rock pra tocar no pub.

NEON TUPYNAMBA Os índios vão entrar pela frente e massacrar tudo, OK? Os ancestrais todos de máscara, com instrumentos de corpo e ar, a gente vai chegar e ver uma menina dentro do ônibus de lata e brisa. Vai ter cheiro de cinema e a gente vai ficar cheirando a cinema e ar-condicionado.Os viadutos, as pontes, os prédios, as coberturas, tudo vai por cima do ônibus amarelo, com letreiros. CORES BRANCAS andei margeando grafites toquei o interfone entrei o sangue dela minha gasolina bem-vinda perdida à cidade sangue e saliva no céu só será que vai querer?estamos no chuveiro. sinto a água bater nas costas, ela gozou, não tenho certeza de nada, um coração verde glitter transborda. calado

FELICIDADE SEM SECREÇÕES FF>> desceu até a marina, o caiaque azul já tinha o cheiro do lago, ele e seu pai pegaram o barco e levaram até o lago - secreções sexuais cheiram a esse lago. O menino olhava a cidade de dentro da água, o parque, as antenas, quase não havia prédios em Brasília fora das asas.Pra comprar o pão tinha que cruzar a terra vermelha, sujar todo o tênis. FF>> jogava até de madrugada e sonambulizava por aí um pouco."Txchá", o remo entrava na água com todas as forças, a força dos remos na água, dos músculos, pensando só em chegar depois da ponte.

NO QUARTO

Leonza entrou no quarto muito nervosa, reparei os peitos no decote, os peitos me provocando, sentou pra ler e tremia a perna de tesão e pavor, tremia, tremia a perna de maneira involuntária, masturbação com certeza, e os olhos de amêndoas podres saltavam, eu sentia o cheiro dela, deitado na minha cama, o mesmo cheiro de sempre, amêndoas. Depois que ela caiu fora, fui ver meus e-mails.

AINDA ANTES

Cada um dos trilhos do carrinho de ferro era pintado com esmalte rosa, era o único tinha no dia, provavelmente, tinha o transfix que eu comprava na banca da Sendas, passava na frente do bombeiro. Eu sou Mirandinha, se ficar na minha frente eu driblo, dou uma bicuda e pego lá na frente quero ver se corre mais que eu, quero ver ficar na minha frente, eu quero ver.

BOB E SEU ZÉ

"África, mãe da humanidade, mãe do ritmo". Bob, o americano, falava fino e gostava da África, ele falava fino, falava pra caralho, e era de esquerda, ele era franzino e aberto, sem dúvida aberto. O terrorismo global fazia dele um terrorista, ele falava fino, era aberto, gostava da África, estava no Brasil, gostava do Brasil, mas estava ganhando um bom cachê, sem dúvida um bom cachê.Seu Zé não estava ganhando um bom cachê tocando na rua, mas não sabia de coisas tão bonitas como aquele cara, não sabia nada da África nem mesmo do Brasil, não podia ganhar um bom cachê, na rua não, é a rua que ele merece, ele merece isso mesmo esse porco, não merece nem uma moeda, vagabundo.

CHEIRO DE PERFUME

Perfume, eu vou jogar ele fora, pra espatifar nas pedrinhas, vai ficar ali meses o cheiro, eu não vou querer mais sentir depois de algumas semanas, olha aqui menina esse cheiro é de perfume, eu conheço, vai arregar à força, vai ser na base da porrada, pega o anel de ouro no lixo todo fodido e tenta consertar no dente, vai pedir desculpa, desculpa, acabou essa porra toda, depois vai dizer que não tem desculpa e eu vou só ver porque tudo aquilo acontecia, não vou acreditar mais, sinto muito, não acredito mais. Depois vai ser minha vez e eu vou começar a foder na parede, vou começar no chão da casa de praia, ali no canto, vai até machucar se ficar de mau jeito, no dia seguinte acorda cheia de marca, cheia de vergão nas costas, braços, tudo.

CAMPOESTRELA

Tava andando no caminho e perguntei: deus existe? Minha perna repuxou, minha perna não, eu preciso dela, deixa pra depois fazer essa pergunta, pensei, depois eu tava lá com a mania, meu cajado, minha mochila e larguei tudo só por largar, por não adiantar mais querer saber sem sentir, não adianta querer saber nada, o profeta me disse, fiquei calado uns meses, desembestei a falar, estou procurando o equilíbrio. Sai andando pelo meio da noite, pelo meio da mata, sentindo todos os espectros, e aí fez e rasgou o céu aquele luz, eu bambeei onde eu tava dormindo, andei mais um pouco, passando no bosque sem luz nenhuma, andei porque queria chegar logo queria chegar antes, fui até o coreto voltei e toquei e cantei pra mim mesmo, toquei voltar andar até chegar no morro e cantar de novo e lá embaixo apareceu o campo estrela, eu nem queria mais nada, eu só vi o Brasil, abri a mãe terra, uma fenda e fui enterrando coisas, mascando folha e enterrando coisas.

TANTRA Medite na ossada do tigre, a sombra e aqueles trapos velhos da memória viram esquecimento. Clarice ficava ligando sem parar, eu nem atendia deixava cair na secretária ela não deixava recado ou ela não tinha o número certo, sei lá, chega de sombra, viva a liberdade, pensei, não estava, era outro começo, era outra prisão. Depois de dois, três dias a gente fica com fome e lembra tudo, pra esquecer de novo, aí a coisa assenta e volta de outra forma, vira tudo um turbilhão só.

EU SOU O CULPADO Tomei banho, comi, e fiquei vacilando: lembrando do que é o cheiro de sexo: amêndoas, o cheiro é de amêndoas, passei a tarde toda vaciliando, fiquei um tempão fazendo a barba e pensando em não comer mais nada, nunca. De repente chegou alguém aqui e tive que sair correndo, pôr a roupa, embolar tudo num canto, abrir o armário cheio de tecidos, cacos do passado, e papéis e sair jogando tudo no chão, depois nem vou arrumar porra nenhuma, vai ficar mais dois meses tudo jogado até que apareça alguém de novo, e eu vou ficar vacilando até onde dá. Tenho certeza que aqueles tecidos e papéis eu deveria queimar. E queimar junto todo esse sentimentalismo barato.

AS CARTAS

Espanha. tava subindo as montanhas numa trilha sinuosa, um dia bonito. No topo encontrei um cara que parecia louco. De blusa colorida com um saco nas costas e uma flor branca na mão, andava em direção ao precipício, até a borda, margeando a borda, em direção ao precipício, sem cair, sem cair até sumir.Eu voava com o vento, no alto da montanha, fiz uma pilha de pedras e comecei a descer até um bosque, ao chegar na cidade encontrei algumas cartas no chão: sete de espadas, valete de copas, dama de ouros e o que é melhor, um coringa.

CYBERIA

Maria Leonza mexe na terra com o rosto róseo-vítreo, conspira, bebe e conversa. Maria Leonza fala com as árvores desliza na avenida, nos postos de gasolina, no meio dos carros, nas farmácias, para as pastilhas, lambendo desenhos e mostrando o tornozelo.

2004 Copyleft by F. Ferreira

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