09/11/2005

Rebelião na rede

Site ccMixter, que congrega remixadores do mundo todo, facilita a criação coletiva com a flexibilização do direito autoral sobre músicas para baixar, samplear e ser utilizada de forma livre e criativa

Fourstones sampleou DJ Dolores, que pegou loops do Gerador Zero, que fez uma parceria com um músico indiano, que sampleou o DJ Dolores, que também foi sampleado por Fourstones, que disponibilizou loops para o Gerador Zero. No ccMixter (www.ccmixter.org), espécie de site de relacionamentos para músicos, a criação é coletiva e ilimitada.
Os participantes desta rede são cerca de 2.500 artistas anônimos e alguns famosos rebeldes como os Beastie Boys, Chuck D, do Public Enemy, The Rapture, Danger Mouse, Matmos, Cornelius e Le Tigre. Todos eles interessados em ver suas músicas circularem e darem “crias”.
“Oslodum 2004”, faixa do DJ Dolores que foi lançada no ccMixter em um concurso da revista “Wired”, por exemplo, derivou em mais de 20 músicas. “As pessoas estão criando coletivamente sem se dar conta. Somos frutos de uma época, pensamos de modo semelhante”, afirma Hélder Aragão, verdadeiro nome de Dolores.
O novo disco do DJ, “Aparelhagem” que está sendo lançado nos EUA, terá duas faixas abertas para remix, com as pistas separadas para os remixadores. “Não acho que é só uma questão de generosidade. É o jeito de fazer business. Um jeito novo, mais randômico”, avalia Hélder. “Não tem como fugir. Nem é mais uma questão de opção, as leis vão ter que mudar sobre o assunto, senão fica claro de uma vez por todas que o Estado não existe.”
Para o músico carioca Fábio FZero, do projeto eletrônico Gerador Zero, o momento é de mudança. “Não temos perspectiva histórica, as coisas estão acontecendo agora. Mas tenho certeza que daqui a pouco olharemos para trás e veremos que estamos vivendo uma época decisiva. Basta ver a galera de até 16 anos. Todos criam conteúdo, seja um blog, um fotolog, uma página com músicas. Hoje tem banda saindo do MySpace e vendendo mais que o Coldplay.”
O norte-americano Victor Fourstones, responsável por colocar o site no ar e administrá-lo durante seu primeiro ano, conta que o site surgiu com a proposta de ser uma espécie de “Friendster” (um site de relacionamento como o Orkut) para músicos. “Este novo modelo ‘aberto’ de permissão para baixar, remixar e devolver música à rede, somado com a proliferação de ferramentas incríveis para remix, fará com que a música seja, novamente, uma arte participativa. Se olharmos para os últimos 80 anos, perceberemos que a indústria do disco afastou a músicas das pessoas comuns e a tornou algo que você só podia observar. Os próximos 80 anos serão tempos em que as pessoas tomarão a música de volta e poderão fazer alguma coisa com ela, não apenas consumi-la”, profetiza o programador de web e, ele próprio um dos remixadores mais ativos do site.

Equipamentos

Perguntados sobre os softwares que utilizam para fazer remixes, os produtores ouvidos pela BIZZ foram unânimes em apontar o Ableton Live como a ferramenta do momento. Para eles, no entanto, o equipamento é o que menos conta na hora de produzir. “Meu primeiro sampler fui eu que construí, em 1983. Era formado por double decks com loops de K7. Eu sincava meio que aleatoriamente”, lembra Hélder.
O produtor Fábio FZero também vê a tecnologia como instrumento da invenção. “Comecei com um programa que vinha no Amiga, o Tracker, uma espécia de seqüencer Midi, só que mais tosco. Ele separava os canais de baixo, teclado, bateria. Se não existissem estes módulos eu não teria começado. Hoje toda vez que eu libero meus samples, imagino que alguém possa aprender a montar música com eles. É a evolução.”
Em “Reconhecimento de Padrões”, livro mais recente de William Gibson, o escritor mais influente do universo cyberpunk dá sua opinião certeira sobre o remix: "Músicos, hoje, se forem espertos, colocam novas composições na web, como tortas colocadas para esfriar no alpendre de uma janela, e esperam que outras pessoas a retrabalhem de forma anônima. Dez estarão errados, mas o décimo primeiro poderá ser um gênio. E de graça. É como se o processo criativo não estivesse mais contido em um crânio individual, se é que um dia de fato esteve. Tudo, hoje, é até certo ponto o reflexo de alguma outra coisa”.

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