03/04/2006

ROLO

Três bolinhões pelo canote da bicicleta. Bolinhões verdes ou azuis? Dois verdes e um azul. Mas o canote é torto, faz quatro bolinhões. Tá, três verdes e um azul. Não, pô, falei que o canote é torto, tá mais caro no mané; faz dois verdes e dois azuis. Fechado. Agora eu: tenho um jogo a mais de adesivos kawahari, quem tem rolimã? Tenho uma, vamo? Uma é pouco, tô precisando de duas. Então vai a rolimã mais as figurinhas da copa de 86 do ping pong. Vc é louco? vai dar a coleção inteira pelos adesivos? É, tá certo, dou a rolimã, as figurinhas, mas quero os adesivos e a manopla amarela. Fechado.
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Daí reclamam que eu sou muito apegado às coisas materiais. Quando eu vi a minha caloi cross extra (pq a light era muito cara, já escrevi isso) indo pra cima de um caminhão de entulho, eu não fiquei triste por ela em si, nem ia esperar que meu futuro filho se empolgasse em arrumá-la e aprender a tomar uns tombos sem ralar tanto. Mas eu me vi ali, num fim de tarde de outono, na esquina da zeferino com a monsenhor kolly, junto ao milanello, o duda, o marcelinho e o euricles, intuitivamente exercendo a mercancia. Se um dia eu aprender a teoria econômica e der aula disso, os rolos que aqueles pivetes de 10,11 anos fazíamos serão o conteúdo da minha primeira aula.
É pura especulação dizer que o canote torto era mais valioso que o reto, pois transformava nossas calois cross num arquétipo de harley davidson (fui olhar no houaiss pra saber que arquétipo não se aplica muito bem à idéia da frase, mas adoro esse termo, então criemos nova acepção).
Inexplicável também é o valor absurdo atribuído aos bolinhões azuis, em relação aos verdes.
Bolinhão era aquela bolinha de gude com o dobro do tamanho. Devia ser cuidadosamente escondido, pois deixava a nós, moleques menores, sempre numa situação delicada: jogar com o bolinhão dava grande vantagem ao seu proprietário, pois era mais fácil acertar as bolinhas menores. Quando os moleques maiores viam milanello e eu jogando, pensavam: opa, vamos ganhar algumas bolinhas a mais. Se vc se recusasse a jogar, aguentaria duas semanas de zoeira, todo mundo te chamando de frouxo. Mas os moleques maiores eram tão melhores que a gente, que ganhavam até nossos bolinhões, com as bolinhas miseráveis deles. Por isso, vinte anos depois, estou autorizado por mim mesmo a divulgar que quando víamos os moleques maiores vindo, trocávamos por bolinhas menores e só voltávamos a usar os bolinhões quando eles fossem andar de carrinho de rolimã.
Os adesivos kawahari (amarelos e vermelhos) eram menos valiosos que aqueles cujo nome desafortunadamente esqueci, os quais ensejaram a primeira grande briga com um dos meus melhores amigos, pra nos reconciliarmos duas horas depois.
Os rudimentos (melhor que arquétipos, sem dúvida) das inusitadas vontades de atrapalhar por atrapalhar o negócio alheio já se faziam presentes, como no caso do moleque que não tinha nada a ganhar ou perder, que falou acima: vc tá louco? trocar a coleção da copa de 86 mais uma rolimã em troca dos adesivos kawahari?? Mas quem sabe não foi essa uma boa alma que impediu meu amigo de se tornar um agiota no futuro e a mim de fazer péssimos negócios pela vida afora?
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Realmente, ninguém entendeu a tristeza pelo desfazimento daquela lata velha. Ninguém sabe como aquelas manoplas amarelas e como aqueles resquícios de adesivos k wah r foram parar ali, ou aqui, na minha mente. Acho que o senso comum imagina que aprendemos tudo na escola.

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