08/11/2006

Conto aqui a conversa que tive com um amigo dia desses. Existem situações em que, falando o português bem claro, impera é o medão mesmo. Ele estava falando do medão das situações importantes, pelas quais já esperava. Já disse aqui mais de uma vez o que o guia me falou na gruta mais difícil de ser atravessada: tem três lugares pra gente por o medo. À nossa frente, daí ele impede o avanço. Atrás da gente, ele pode nos empurrar pro perigo. Ou do nosso lado, o medo vira amigo. Muito já se dissertou sobre a natureza do medo e minha filosofia de boteco tá pra falar de outros assuntos, que não vêm ao caso agora. O mais simplezinho dos discursos é que o medo é fruto da razão, é um protetor do ser humano, quando bem dimensionado. Mais ou menos o que o guia da gruta me falou. Avancemos.

Meu amigo deu um exemplo. Ele passou por uma situação sabidamente desafiadora. Ele teve tempo de se preparar, mas quando chegou na hora, veio o desconforto, que parecia aqueles brutamontes de entrada de show, qdo todo mundo se empurra, com o ticket na mão. “Será que se vc tivesse feito isso, será que se vc tivesse deixado de fazer aquilo...”, o brutamontes lhe buzinava. Só que, de repente, o meu amigo sentiu um tapa na cabeça e ouviu de alguém: "eu acompanhei o seu esforço e, mais, gostei muito do resultado do seu esforço. E, mais, gostei muito das tuas explicações sobre o resultado desse esforço. E da tua defesa sobre essas explicações". Nisso, o brutamontes começou a tirar um monte de casacos, foi ficando menor, ao mesmo tempo em que as pessoas foram saindo de perto. Quando viu, estavam apenas esse meu amigo e o segurança, que, no fim das contas, até trocou algumas idéias com ele, antes do show começar. E qual não foi a surpresa do meu amigo, ao descobrir que o segurança do show era ‘costa-quente’ no local. O próprio segurança estava de saco cheio de todo mundo achar que ele era um gigante. Com a raiva que sentia, podia sim, virar gigante. Mas o que ele gostava mesmo era de jogar conversa fora, falar sobre a vida, ouvindo modas. E, como o meu amigo soube dimensioná-lo, já dentro da casa de espetáculos, o segurança em agradecimento acabou levando copo d’água, gatorade, pistache e alcaparrones, enquanto o show se desenrolava.

Meu amigo disse mais: conforme conversava com o segurança, no intervalo das músicas, passou a lembrar das inúmeras qualidades que ele, meu amigo, tinha. Do quanto ele era amigo dos amigos, do quanto ele era bom pai, bom filho e bom marido. De como ele era bom profissional. Do quanto ele era honesto com as pessoas. E, como aquele era o dia das surpresas, ficou muito feliz quando percebeu que todas aquelas qualidades somavam-se, e muito, ao esforço e às dificuldades pelas quais passou, até chegar naquela situação sabidamente desafiadora, ops, ao show. E nisso o show seguia, as modas estavam boas, o segurança amigo agora era platéia, sabia e cantava as letras das modas todas.

Surpresa final, praquela noite, no final do show, ele não era mais platéia, ele estava no palco, feliz da vida, tinha tocado vários instrumentos e cantado como ele não sabia que cantava.

Ao meu amigo, bom show.

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