07/11/2006

Pegue-me num dia invocado. Se vendessem água mineral, pediria nota fiscal.

Depois de reuniões, consultas, petições, arrumações, passo num fórum de outra comarca, antes de vir pra casa. Pros não versados, fórum fecha às sete, no Brasil. Seis e dez eu não tinha entrado na tal cidade, de tanto trânsito, golbery me é testemunha.

Carro no estacionamento, saio correndo, a missão era simplinha: tirar cópia de uma sentença. E depois ver mais dois processinhos, Dez minutos cada um, se tanto, dava tempo de tomar um sundae de baunilha, antes da sétima badalada.

- Boa tarde, cartorária. Processo tal, façoavor. Obrigado, dona cartorária, vou tirar cópia, tá bom?

Daí começa a saga.

- Não pode, doutor, o prazo não é comum. Só pelo tribunal.

- Sim, justamente por isso, eu vou recorrer. Não dá pra ser por carga rápida, daquele provimento dos 40 minutos?

Nisso levanta-se decidida e lentamente o mario bros. mario bros era o maioral ali. O guardião da lei e da ordem, da jurisdição e da ação, do processo e do procedimento. Expert. Douto. Magnífico. O papa secular. Levantava-se de seu trono, ladeado por ventiladores empoeirados e arquivos mortos.

O bigode do mario bros. Quanto mais a frase voava azeda e sarcástica, o bigode parecia que tremulava de satisfação. As pontinhas pululavam de regozijo, para cima, enquanto ele tentava explicar o trâmite do recurso criminal, já que, sucumbo, deve estar tatuado em letras tribais na minha testa: sou do cível.

- seo mario bros, eu sei como é o procedimento do crime, o senhor não precisa explicar. O que acontece é que eu vim de outra cidade só pra ver esse processo, e eu não precisaria voltar se pudesse tirar cópia dessas sete folhas, na sala ao lado, sem ser pelo tribunal. São seis e meia, o MP não vai querer ver o processo agora.

Vislumbrem as pontinhas do bigodinho, agora:

- só pelo tribunal.

- mas e o provimento do tribunal, da carga rápida?

Pontinhas passaram a saltitar, acompanhadas agora pelas sombrancelhas: mario aponta em êxtase para um cartaz garrafal: PROVIMENTO TAL, APENAS PARA PRAZO COMUM (se o blog litispendência [lembra dele, golb?] estivesse ativo, faria um post sobre a cretinice desta interpretação, mas continuemos).

Aparte.

Normalmente, eu olharia pro relógio, praguejaria até a 10ª geração ascendente de mari, viria pra casa e escreveria um post inconformado. Mas hoje foi um dia anormal. Hoje eu tava invocado.

Final do aparte.

-Pois não, senhor. Faça a fineza de deixar separados esses autos, por favor (o cartório –inteiro- levantou a cabeça e me olhou. Eram vinte e cinco pras sete quase, esse advogado não faria isso).

Mas não era um advogado qualquer. Era o Madureira ocasionalmente invocado.

Sala da OAB: Petição: fulano de tal, por seu advogado, tralalá, vem requerer a retirada dos autos de cartório por 20 (vinte) minutos, para extração de cópia da R. sentença.

Gente, isso é muito ridículo. Mas não pra um invocado. Que aprendeu a zelar por suas prerrogativas.

Madureira voando pro primeiro andar, procurando a juíza.

- Excelência, gostaria de despachar esta petição com a senhora.

- Mas dr. madureira invocado, eu não posso despachar, porque cópia é só pelo tribunal!

- Mas excelência, eu fui constituído no termo de audiência, desejo apenas alguns minutos para analisar esses autos. Não vai haver prejuízo a ninguém.

- Não (olha pro relógio, vinte pras sete passados). Se o senhor escrevesse qualquer outro motivo, eu concederia, mas assim não posso (te peguei, advogado chato. Vai embora logo, vai, vai).

- Perfeitamente, Excelência, muito obrigado.

Num dia normal, eu praguejaria mais dez gerações e escreveria um post irado. No sentido clássico. Mas hoje eu tava invocado.

*rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrasg, rrrrrrrrrasg, rrrrrrasg, rrrrasg, rrasg, rasg (não pensem que a invocação passa num mero rasgar de papel).

Sala da OAB: Petição: fulano de tal, tralalá, requer a retirada dos autos de cartório por 15 (quinze) minutos, para análise, e posterior interposição de recurso, dentro do prazo legal.

Madureira invocado voando pro gabinete da juíza, que não acreditava no que via.

“sim, se em termos”.

Madureira no cartório, depois de voar:

- o escrivão, por favor? Ah, que pena, foi embora? Então, aqueles autos que eu pedi pra deixarem separados, vou fazer carga rápida.

Imaginem um golaço de bicicleta. Final de campeonato. Substituta do mario bros no último chuveirinho pra área:

- mas doutor, são menos de dez pra sete, não dá mais por quinze minutos.

Agora imaginem as pontinhas do MEU bigode:

- os dez minutos que ainda tenho estão contidos nos quinze que a juíza deferiu. Os autos, por favor (Madureira por dentro: oooo, oo oo aiaaaaaaaaa aioooooooo, oba oba obá!).

Sala da OAB, seria um micaço, mas eu estava feliz demais pra pensar nisso:

- Colegas! (sala lotada), o cartório não queria me deixar tirar cópia, mas a juíza deferiu quinze minutos. Se eu passar das sete, o cartório vai deitar e rolar. Por favor, são só sete laudas, posso passar na frente?

Uma sala cheia de advogados atônitos, pegos desprevenidos, que deixaram. Quando começaram a ficar com raiva, o-homem-que-copiava já estava na segunda lauda.

Sete horas da noite, no cartório:

- Baixa na carga, por favor. Muito obrigado, senhores. Boa semana a todos.

Yyyyyyyyyyeeeeeeeeeeeeeeeeeeeees!!! Eita, mas que sundae gostouso, que sorvi.

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