O dia de ontem merece isenção de todas as tentativas de figura de linguagem. Merece ordem direta, primeira pessoa, o dia merece ser apenas um dia.
Nove horas desse dia foram de contato direto, intenso e cru com a cidade. Impossível, obviamente, conseguir isso dentro de um carro.
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Papel, caneta, máquina e atenção relaxada. Apurei os sentidos. Nenhum lugar melhor que o mercadão. Antes, desci a ladeira porto geral, sozinho e em silêncio, recebi todos os ruídos, brinquei de desviar das pessoas, como se fosse trilha no mato. selva de gente, reconhecer o alter. No mercado, provei queijos, frutas, sucos, lanches. Cheirei, senti a textura dos alimentos. Imaginei os nutrientes reagindo no meu organismo. Escrevi muito, pensando em publicar, mas não é o caso.
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Disponibilizei-me às questões, mas nenhuma veio. Continuei só sentindo e percebendo. Fiz questão de não teorizar: pensamento binário updated, porque não é mais fuga. Fui descobrindo a linguagem do dia durante o dia. Alimentado, finalmente fui à praça benedito calixto. Pessoas diferentes das de até então, mas continuei sem teorizar. Nem é preciso. Andei muito e não cansei. Estava tranqüilo demais pra pensar. O nível de percepção aumentava mais e mais, fui a um café.
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E lá tomei café. E ouvi piano, olhei as pessoas, fui olhado, procurei o canto mais escondido, pra poder brincar sossegado. O resultado foi um monte de folhas desta daí de baixo, o tempo podia passar à vontade, eu estava inteiro ali. E na verdade o tempo passou e uma sensação de euforia, de recarga de energia, de retorno ao que sempre fui, aumentava. Ali passou um cineminha na mente e veio finalmente a questão. Nem foi questão, foi constatação. Tudo pode mudar muito, pra melhor, pra pior, apenas mudar pra um jeito diferente. Menos eu. Eu não vou mudar, pq não mudei até agora e
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já tive vários motivos mais que suficientes pra isso. Os acontecimentos vieram se sucedendo e não teve diferença alguma, eu me mantive. Não mudar pode ser bom, pode ser ruim, mas fato é que é assim, embora nada romântico, nada cool. Pensei outras coisas, como o fato de que, com sorte eu vou viver o mesmo tanto que já vivi. Só me falta construir. O plano tinha dado certo, eu cheguei a uma constatação que só pressentia. Era exatamente isso. Quando percebi, fui ao cinema. A pé. Teodoro sobe sobe até virar na Oscar Freire. O terceiro tipo básico de população, jardinzões. Acho que foi nessa folha aí ao lado que escrevi: eu sou um estrangeiro disso tudo. Sou paulistano e não sou. Mas isso iria longe, por ora vou pôr outra figura.
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Esse filme não pode deixar de ser visto. Vi no dia ideal. Tinha um amigo que fumava maconha pra ver filmes do "jeito certo". O meu
modus operandi é mais lícito, basta passar um dia como passei. Antes de o dia passar, presenciei a cena das pessoas sentadas na fileira de baixo, a cena era um
conto pronto, preciso pôr no papel. Apagaram a luz e as sensações todas ainda se acomodavam quando essa obra de arte revolveu tudo e se imiscuiu. Fim do filme, fim do dia, dez da noite. Esse dia vai me dar sorte pra 2007.
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