10/12/2006

O dia de ontem merece isenção de todas as tentativas de figura de linguagem. Merece ordem direta, primeira pessoa, o dia merece ser apenas um dia.
Nove horas desse dia foram de contato direto, intenso e cru com a cidade. Impossível, obviamente, conseguir isso dentro de um carro.
Papel, caneta, máquina e atenção relaxada. Apurei os sentidos. Nenhum lugar melhor que o mercadão. Antes, desci a ladeira porto geral, sozinho e em silêncio, recebi todos os ruídos, brinquei de desviar das pessoas, como se fosse trilha no mato. selva de gente, reconhecer o alter. No mercado, provei queijos, frutas, sucos, lanches. Cheirei, senti a textura dos alimentos. Imaginei os nutrientes reagindo no meu organismo. Escrevi muito, pensando em publicar, mas não é o caso.

Disponibilizei-me às questões, mas nenhuma veio. Continuei só sentindo e percebendo. Fiz questão de não teorizar: pensamento binário updated, porque não é mais fuga. Fui descobrindo a linguagem do dia durante o dia. Alimentado, finalmente fui à praça benedito calixto. Pessoas diferentes das de até então, mas continuei sem teorizar. Nem é preciso. Andei muito e não cansei. Estava tranqüilo demais pra pensar. O nível de percepção aumentava mais e mais, fui a um café.

E lá tomei café. E ouvi piano, olhei as pessoas, fui olhado, procurei o canto mais escondido, pra poder brincar sossegado. O resultado foi um monte de folhas desta daí de baixo, o tempo podia passar à vontade, eu estava inteiro ali. E na verdade o tempo passou e uma sensação de euforia, de recarga de energia, de retorno ao que sempre fui, aumentava. Ali passou um cineminha na mente e veio finalmente a questão. Nem foi questão, foi constatação. Tudo pode mudar muito, pra melhor, pra pior, apenas mudar pra um jeito diferente. Menos eu. Eu não vou mudar, pq não mudei até agora e já tive vários motivos mais que suficientes pra isso. Os acontecimentos vieram se sucedendo e não teve diferença alguma, eu me mantive. Não mudar pode ser bom, pode ser ruim, mas fato é que é assim, embora nada romântico, nada cool. Pensei outras coisas, como o fato de que, com sorte eu vou viver o mesmo tanto que já vivi. Só me falta construir. O plano tinha dado certo, eu cheguei a uma constatação que só pressentia. Era exatamente isso. Quando percebi, fui ao cinema. A pé. Teodoro sobe sobe até virar na Oscar Freire. O terceiro tipo básico de população, jardinzões. Acho que foi nessa folha aí ao lado que escrevi: eu sou um estrangeiro disso tudo. Sou paulistano e não sou. Mas isso iria longe, por ora vou pôr outra figura.

Esse filme não pode deixar de ser visto. Vi no dia ideal. Tinha um amigo que fumava maconha pra ver filmes do "jeito certo". O meu modus operandi é mais lícito, basta passar um dia como passei. Antes de o dia passar, presenciei a cena das pessoas sentadas na fileira de baixo, a cena era um conto pronto, preciso pôr no papel. Apagaram a luz e as sensações todas ainda se acomodavam quando essa obra de arte revolveu tudo e se imiscuiu. Fim do filme, fim do dia, dez da noite. Esse dia vai me dar sorte pra 2007.

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