10/09/2007

Renuncio a uma análise formal, estruturada ao gosto dos analistas, tal como o homem imerso no deserto renunciou ao sonho delirante. Assim o fez, e reconquistou sua permanência. Assim o faço, por ser o único jeito de que sei fazer: te conto o que sinto aqui.

Terra dos Homens me tem a doçura acre da laranja descoberta nuns escombros do deserto da Líbia. Fui ao deserto da Líbia pela ponte lançada por Antoine de Saint-Exupéry.

Um livro sobre a condição humana, levei para o fim de semana, bagagem da fuga paulistana, rumo ao sopé da montanha interiorana. Chiste, mal-humorada, chiste.

Aqui no sopé registro, ou tento registrar, as impressões curiosas que o livro eleito o melhor traz e a que remete, a cada vez lido, a cada vez saboreado, como a laranja acredoce, como a refeição dos burocratas, como o virado de feijão com couve e conhaque dessa mistura de Tripolitânia e Sul de Minas em que me encontro, balançando entre o som da queda d’água dali adiante e o pressentimento do Saara secular.

Antoine me ensina a enxergar no espelho do tempo a humanidade, a civilização européia pré-2ª Guerra Mundial e a adolescência atibaiense.

Feliz num feriado, 32 anos após o reinício, eu conto pra você que queira ouvir ter sido Antoine um piloto de avião. Moças lerão a suposta narração de vôos e aventuras da aviação por ele tidas e serão tomadas por um raso aborrecimento, querendo o príncipe pequenino com o que advertem incautos no messenger (“responsável pelo que cativas” e tal), justo o imenso príncipe, coitado do príncipe. As mesmas moças tristes pelo gorila morto de Ismael, co-irmão da terra desses homens que guardam em si a centelha de gigantes, desses homens que somos eu e a leitora-você.

Do que seja condição humana eu sei tanto quanto tu sabes das moléculas componentes do cacau. No entanto, adoras um chocolate quente ao sopé da montanha interiorana.

Antoine é um piloto de avião que explica, como que apoiado nessa mureta aqui, como é o sentimento de liberdade. Não a óbvia de quem voa, mas a presente na mente do escravo que não desiste do retorno à terra. Ele conta o companheirismo aneróico de quem salva o melhor amigo da neve dos Andes e, sobretudo, a inteireza brutal e divina no salvo-salvador, que resgata à luz de sua vida os olhos dos náufragos que o buscam.

Ele fala de muitas coisas que se injetam no meu sangue – guia a circularem por algum caminho ao meu espírito. Coisas que me obrigariam a te escrever duas ou nove terras dos homens. A de Antoine, as de Antoine para mim e as minhas próprias.

Algumas das dúvidas que me alisam a fronte eu as tirarei aos 37 anos, data de meu retorno a essas terras. Para cada check up completo do corpo, uma checagem incompleta da alma. Assim será.

Antoine ara nosso espírito, lança grãos à sementeira, preparando-nos com a linha, causeando seus companheiros, demonstrando o instrumento, situando-o na terra até atingir (desde sempre lá estando) os homens.

A Terra dos Homens para você que queira será mil coisas. Antoine me disse que é a vida.

Continua, daqui a cinco anos.