22/11/2005

A aldeia global frutifica

DJs e produtores japoneses, que cresceram ouvindo bossa e jazz brasuca, se destacam na cena eletrônica mundial com referências rítmicas, harmônicas e melódicas da nossa melhor música

O Japão ama o Brasil. Tanto que a música brasileira é uma espécie de catequese para os japoneses desde a infância. Discos raros por aqui podem ser encontrados em qualquer lojinha do arquipélago, shows de artistas nacionais se esgotam com meses de antecedência e a febre da bola em torno do futebol só faz a paixão pela nossa ginga crescer.
Nada mais natural que isso transparecesse na hora que os produtores de lá pusessem seus samplers em ação. Nomes como Kyoto Jazz Massive, Jazztronic, Soil & Pimp Sessions, Yukihiro Fukutomi e Sleep Walker, expoentes do que os japoneses chamam de “crossover”, merecem os ouvidos atentos de qualquer um interessado em apropriação cultural.
“Quando nós ouvimos música brasileira podemos sentir emoção nela. Adoramos melodias sentimentais e bonitas, talvez porque estas características sejam marcantes na nossa música tradicional. E adoramos Carnaval!”, afirma Shuya Okino, uma das metades da dupla Kyoto Jazz Massive (leia entrevista nesta página). Lenda de deep house japonesa, o KJM começou a ganhar reconhecimento nos anos 90, no pico da acid jazz, quando Gilles Peterson, da BBC e Paul Bradshaw, da revista inglesa “Straight No Chaser”, apresentaram a dupla para os europeus.
O sucesso do KJM abriu espaço para que eles próprios e outros artistas japoneses pudessem excursionar pela Europa e EUA, lançar discos por grandes gravadoras, como a Sony, e até pela bacanérrima Compost, selo alemão que nos brindou com pedras brutas do jazz eletrônicos como Jazzanova, Koop, Trüby Trio, Fauna Flesh, Les Gammas. Mais que isso, o estilo dos DJs japoneses de misturar músicas de épocas distintas, desde que tivessem groove, encontrou eco em noites como a Mojo Club (Hamburgo), Into Somethin’ (Munique), Talking Loud, Bar Rhumba, Co-Op (Londres) e nas nossas Superjazz, Popcorn, Superjazz for Freaks, Sunday Sessions (SP), Playground, BPM (RJ). Por isso, da próxima vez que você ouvir música brasileira na pista, diga arigatô, Japão!

Shuya Okino, o samurai do nu-jazz

O DJ e produtor Shuya Okino é um samurai da cena nu-jazz. Desde o final dos anos 80, quando começou seu trabalho ao lado do irmão, Yoshihiro Okino, ele tornou-se um dos maiores agitadores culturais do arquipélago hype.
Organizou turnês de United Future Organization, Chari Chari, Jazztronik, Kenny Dope, Patrick Forge, Trüby Trio, Jazzanova, Vikter Duplaix, Alex Attias, entre outros, lançou selos e coletâneas, produziu discos, colaborou com Herbie Hancock, Steve Grossman, Lonnie Smith e Harry Whitaker. Mesmo assim, até hoje não conseguiu convencer sua mãe de que ele e o irmão mais novo escolheram a profissão certa.

BEATZ – COMO ANDA A CENA NU-JAZZ POR AÍ?
Shuya Okino - Muito forte e ativa. A cada dia os grupos e DJs estão ficando mais populares. Este mês (novembro) estamos organizamos o Tokyo Crossover/ Jazz Festival 2005, com Alexander Barck (Jazzanova), Patrick Forge (Da Lata), Seiji (Bugz in Attic), Reel People, Sleep Walker, Toshio Matsuura, Yukihiro Fukutomi. Nós, é claro, também vamos tocar.

BEATZ – QUANDO SAI O PRÓXIMO ÁLBUM DE VOCÊS?
Shuya Okino - Estamos com um novo projeto, que é o Kyoto Jazz Classics, no qual vamos lançar uma série de álbuns com nossas faixas favoritas de jazz e fusion dos anos 70. Recentemente, nós lançamos “Dazzling Blue”, com material da Blue Note, “Succession of Spirit, da Impulse!, e Mysterious Vibes, da Fantasy. Talvez tenhamos um novo álbum do KJM em 2006.
Estou produzindo o disco da banda de jazz Sleep Walker, do saxofonista Masato Nakamura e do produtor de house DJ Kawasaki. Meu irmão também tem um selo, o Especial Records, e vai lançar uma coletânea no começo do ano que vem.

BEATZ – QUAL É O LADO BOM E O RUIM DE TRABALHAR COM UM IRMÃO?
Shuya - O ponto positivo é que você sempre pode ser honesto e dizer algo que você está pensando. Os japoneses são meios quietos e tímidos, mesmo que criativos. Como irmão, nós não temos que ter hesitação para dizer qualquer coisa sobre a música que fazemos separadamente, porque eu moro em Tóquio e ele em Osaka.
O ponto negativo é que nossa mãe não ficou muito feliz com a nossa profissão. Ela gostaria que arrumássemos empregos normais. Ela não entende o trabalho de DJ. É uma vergonha!

BEATZ – QUAIS SÃO SEUS ARTISTAS BRASILEIROS FAVORITOS?
Shuya - Eu adoro Marcos Valle, Airto Moreira e Ed Motta.

BEATZ - VOCÊS TEM PLANOS DE VIR AO BRASIL?
Shuya - Não, mas eu gostaria muito de ir!!! Por favor, me apresente a alguém que possa nos levar para tocar aí...

Dez discos das antigas pra ouvir no Japão (ou em qualquer lugar. Se for em vinil melhor ainda!)

“Free”, Airto Moreira
“Brazilian Octopus”., Brazilian Octopus
“Colors”, Raul de Souza
“Tropical”, JT Meireles
“Dom Um”, Dom Um Romão
“São Paulo Brasil”, César Camargo Mariano
“Return to Forever”, Chick Corea
“Gafieira Universal”, Black Rio
“Bad Donato”, João Donato
“Quarteto Novo”, Airto, Hermeto, Théo, Heraldo

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