12/07/2006

Não tenho preparo pra teorizar sobre o poder. Mas eu tenho o direito constitucional de expressar a minha filosofia de boteco, a minha sociologia de beira de calçada. Muita gente deve ter dito isso de um jeito mas bonito, mas o que quero é repetir que poder é ocupação de espaço.
Exemplo: -off topic - o fiscal encontrou em mim um cara que valoriza a sua honestidade e iniciativa. E também um cara que dá uma banana discreta pra hierarquia, procedimentos burocráticos e limites de competência, quando isso é possível e não prejudica a administração nem o povo. Foi o jeito que encontrei, ainda pouco, pra exercer civismo. Então é simbiose, senhor fiscal, eu ajudo com minhas dicas jurídicas informais (norma) e o senhor me ajuda trazendo a realidade social (fato), pelo filtro de um homem de bem (valor).
Voltemos. O fiscal explica que precisa entrar na favela e ver quem constrói em terreno público, ou em área de manancial, ou em área de risco, ou com construção irregular, ou tudo isso tudo junto, no mais das vezes. E só entra pq é autorizado pelos traficantes, depois que estes percebem que seus negócios não serão atrapalhados. Ainda assim, quem constrói a casa daqueles jeitos às vezes são amigos ou parentes dos traficantes e por isso o fiscal e sua família são ameaçados.
O Estado me parece que é a organização da população, num território, com soberania. É um ente criado pelo conjunto de pessoas, que constroem um ordenamento político e jurídico para coexistir (outro post aqui).
Aquela realidade social foi criada há menos de vinte anos, por pura necessidade de pessoas que não tinham outro lugar pra morar (mais outro post). Pessoas que fazem parte da população brasileira, vivem em solo brasileiro, no qual foi erigido um Estado soberano. Opa, então aí existe uma sociedade, que se organizou em torno desse Estado. Sim, mas essa sociedade excluiu aquilo que chamei “aquela realidade social”. Aquelas pessoas tiveram que se virar sem o auxílio do Poder Público. Poder expressão do Estado, não era isso? Porque na verdade a própria sociedade incluída alheou-se, pulverizada nos interesses particulares de cada componente (é aí que nos encontramos, nem vem).
Todos nós nos viramos, nós e os moradores daquela favela fiscalizada pelo meu amigo. Mas nós tivemos condições mais favoráveis pra nos virarmos. Nem sempre meritórias, mas talvez sempre facilitadas pelos nossos pais, ou outras circunstâncias as quais incluo todas no gênero sorte. Simplesmente soubemos aproveitá-las, mas paramos por aí, de maneira infamemente omissa.
Aparte. Até aqui não existe nós e eles. Somos todos nós. Vou continuar a distinguir porque, repito, não tenho preparo científico e preciso de recursos facilitadores. Fim do aparte.
A geração nascida lá teve incluídos na sua vida muitos outros problemas, além daqueles trazidos por seus pais. A maioria não tem o mínimo de estrutura familiar, massacrada pela miséria e pela total omissão do resto da sociedade e do Estado. Mas tiveram que se virar.
Poder é ocupação de espaço. Alguns se viraram por maneiras contrárias ao que a sociedade preconiza, esquecida a sordidez desta. Mas eram derrotados pela força da organização daquela sociedade. Aqui sim existem eles e nós. Passa a existir a distinção no momento em que se ultrapassa a linha da lei.
É óbvio que eles estão na mais alta classe social, também. E na intermediária também. Nos becos do Estado e nas ruelas da iniciativa privada. Estes são os piores, pq tiveram as mesmas chances que nós.
A pergunta é, como combater, a partir de agora, este poder, que se legitima na ausência absoluta do Poder Público? (continua).

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